sábado, 12 de novembro de 2011

Depois dos temporais - Ivan Lins

Sempre viveram no mesmo barco
Foram farinha do mesmo saco
Da mesma marinha, da mesma rainha
Sob a mesma bandeira
Tremulando no mastro
E assim foram seguindo os astros
Cortaram as amarras e os nós
Deixando pra trás o porto e o cais
Berrando até perder a voz
Em busca do imenso,
Do silêncio mais intenso
Que está depois dos temporais

E assim foram seguindo em frente
Fazendo amor pelos sete mares
Inchando a água de alga e peixe
Seguindo os ventos
As marés e as correntes
O caminho dos golfinhos
A trilha das baleias
E não havia arrecifes
Nem bancos de areia
Nem temores, nem mais dores
Não havia cansaço
Só havia, só havia azul e espaço

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Silêncio - Florbela Espanca


No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...


Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!


Estou junto de ti, e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!


Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...
Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...

Desejos vãos - Florbela Espanca


Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!


Eu queria ser o sol, a luz intensa
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão é ate da morte!


Mas o mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos céus, os braços, como um crente!


E o sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as pedras... essas... pisá-as toda a gente!...

Fanatismo - Florbela Espanca

 
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver
Não és sequer a razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida

Não vejo nada assim enlouquecida
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida

Tudo no mundo é frágil, tudo passa
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim
E, olhos postos em ti, digo de rastros:

"Podem voar mundos, morrer astros
Que tu és como um Deus... Princípio e Fim"

"Podem voar mundos, morrer astros
Que tu és como um Deus... Princípio e Fim"

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Mensagem - Fernando Pessoa

Quanto a mim o amor passou...
Eu só lhe peço que não faça... Como gente vulgar...
E não me volte à cara quando passa por si...
Nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor...
Fiquemos um perante o outro...
Como dois conhecidos desde a infância...
Que se amaram por quando meninos...
Embora na vida adulta sigam outras afeições...
Conservam nos caminhos da alma...
A memória de seu amor antigo...
E inútil...

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Te amo - Kleber Nunes


Encontrei o amor
Aquele que sempre imaginei
Que almejei possuir
Vivê-lo em cada hora
Nas tristes consolá-lo
Nas alegres festejá-lo
Enfim o encontrei
Procurei-o a miúde
Mas meu coração era incrédulo
E sorrateiramente a vida me escapava
As esperanças também
E tudo não passava de devaneios meus
Só me restava desistir
Mas agora posso dizer que o encontrei
Hoje ele tem nome e forma
Rosto e gosto
Cheiro e cabelo
E continua esplêndido para mim
Não consigo traduzi-lo em palavras
Não é vermelho
Nem é quente
Não tem gosto de chocolate
Nem causa frio no estômago
Não são pernas entrelaçadas
Nem roupas jogadas em volta da cama
Não é buquê de rosas
Nem uma noite de amor
Enfim o encontrei
Ele é tudo isso e muito mais
Mora comigo e me transforma
Está em mim
E ainda tem algo de indecifrável
Que me deixa muito feliz
Porque precisarei de mais algumas vidas para o entender
E com isso mais uma vez te desfrutar
Te amo

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Mar e vida - Kleber Nunes


A atração que o mar exerce sobre mim
É mesma que me atrai para a vida
Diante do mar, tento mensurá-lo
E não imagino como
Diante da vida, me sinto pequeno
E nunca é diferente
Quando mergulho para entendê-los
Tenho receio de ambos
E só me sinto seguro
Na superfície
A contemplá-los

O despertar do relógio - Kleber Nunes


As vezes tenho raiva do relógio
Do barulho do seu ponteiro
Do seu prazer em me acordar
Da dependência que tenho dele
De seu apego ao meu pulso
Sempre me lembrando dos compromissos
Quase sempre deveres
Raramente prazeres
Fico mais bravo ainda quando ele pára
Pareço louco
Se ele desperta não gosto
Se não funciona me irrito
Mas de vez em quando o entendo
As vezes até o agradeço
Quando lembro que ouvir o seu chamado
É a certeza de estar vivo
Que a vida se renova em mais um dia que começa
Que terei novas possibilidades
De tentar
De lutar
De plantar
De amar
De louvar
E ser melhor...

Banalidades - Kleber Nunes

Andar de mãos dadas
Caminhar pela praça
Assistir um filme
Pedir uma pizza
Ouvir uma música
Preparar o almoço
Abrir as janelas
Regar as plantas
Levar o cachorro para passear
Comentar o futebol
Esticar o lençol da cama
Ansiar pela sexta
Adorar o sábado
Lamentar o domingo
Até lavar a louça
Tudo banal!
E se não fosse o banal?
O que seria de nós sem as coisas pequenas?
Que juntas são tão grandes
E que na maior parte do tempo
É o que verdadeiramente possuímos.